


Quem é o verdadeiro eleitor?
O ano de 2024 promete ser agitado. Em outubro, as eleições reproduzirão o cenário de polarização a que já nos habituamos. Esse cenário de extremos é marcado dito mundo digital, em que as redes sociais se consolidaram como instrumento de campanhas eleitorais e narrativas políticas. Já não é de hoje que se percebe a influência das redes sociais em nossas escolhas. Recentemente, tem reverberado as ideias publicadas pelo jornalista Kyle Chayka, no livro Filterworld: How AlgorithmsFlattened Culture (algo como “Mundo filtrado: como os algoritmos achataram a cultura”). A ideia explorada na obra é a existência de uma “curadoria customizada”. Funciona assim: a Netflix, por exemplo, sabendo que você gosta de filmes de suspense, oferece em sua tela inicial mais filmes de suspense e deixa de sugerirfilmes de outros gêneros, não importa o quão bom sejam. Nesse cenário, você se torna um consumidorpassivo. Extrapole a ideia para a política e podemos falar, também, no eleitor passivo. O efeito disso é fazer o ser humano cada vez mais convicto dos seus posicionamentos. Ou seja, o mundo digital está adulando a sua consciência e isso faz com que seu cérebro não queira sair dali, afinal todos gostamos de ser adulados. O resultado é que estamos ficando superficiais, sem capacidade crítica de questionarmos aquilo que desejamos acreditar. Some-se a isso a desinformação e o uso das emoções apelativas como “caça-likes” e temos um cenário perfeito para todo tipo de manipulação e criação de narrativas para envolver o eleitor. De olho nesse cenário, o TSE publicou doze resoluções cujo objetivo é pôr regras à corrida eleitoral. Entre as principais medidas estão as que visam o controle da desinformação, regulação do uso da inteligência artificial, restrição ao uso de avatares, vedação das deep fakes e a exigência de rótulos de identificação de conteúdo sintético de multimídia. Porém, sabemos que a internet é um ambiente complexo e que a inteligência artificial tem potencial ainda desconhecido. Para que tenhamos um processo eleitoral democrático, mais do que normas, necessitamos da consciência dos eleitores, debates construtivos, empatia e humanismo. Afinal, é preciso lembrar à inteligência artificial quem é o verdadeiro eleitor.
O Rio Grande Pede Socorro
A enchente que assolou o Estado, e atingiu de modo avassalador o Vale do Rio Pardo, está mobilizando voluntários, empresas e órgãos públicos, num esforço inicial de salvar vidas e restabelecer, ainda que precariamente, os serviços essenciais. O Tribunal de Contas do Estado também está com dificuldade de operar, visto que a inundação que atingiu o o Centro Histórico da
Capital obrigou o desligamento do Data Center, com a consequente indisponibilidade dos sistemas de informática, do Portal e dos canais de comunicação. Diante da situação, para minimizar a dificuldade de comunicação com os fiscalizados o Serviço Regional de auditoria de Santa Cruz do Sul criou o email tcesantacruz@gmail.com permitindo um canal de
comunicação direto que pode ser acessado por gestores e servidores que precisarem de orientação. Nesse cenário, em que a população tem urgência de recuperar a normalidade de suas vidas e os governos têm pressa em realizar obras, o TCE está disponibilizando uma Cartilha Informativa, com o propósito de auxiliar o Município em casos de emergência/calamidade pública. Esse material, que havia sido elaborado por ocasião das enchentes de setembro/2023, está sendo revisado nesse momento, para contemplar esse novo momento vivenciado e seus impactos inéditos, profundos e graves, e pelas perspectivas de alterações legislativas. Portanto, em breve uma versão atualizada será disponibilizada aos fiscalizados.
Sem descuidar de sua missão fiscalizatória, o TCE reconhece que as ações imediatas, com o objetivo de socorrer a população atingida e restabelecer as condições de segurança das áreas atingidas não podem ser inviabilizadas por entraves burocráticos. Nesse gigantesco esforço de reconstrução, o TCE não pretende ser um empecilho, mas sim um agente colaborador, para que as contratações das obras e serviços necessários sejam formalizadas adequadamente. O TCE também pretende orientar sobre a forma legal de viabilizar medidas não usuais, como o empréstimo de veículos e máquinas entre municípios; o custeio de abastecimento de máquinas e veículos emprestados por particulares; despesas com alimentação de voluntários.
A tragédia climática e os aproveitadores
No livro Os Miseráveis, de Victor Hugo, os Thénardier são um casal que segue, a certa distância, o exército de Napoleão para, depois das batalhas, pilharem joias, armas e qualquer outro objeto de valor dos soldados mortos. No romance do escritor francês, os Thénardier chafurdam entre cadáveres, alheios ao caos, indiferentes às cenas de morte, interessados apenas em obter lucros, mesmo que às custas do infortúnio dos outros. Infelizmente eles não são personagens restritos à ficção.
Os Thénardiers estão entre nós, desviando doações para atingidos pelas enchentes, saqueando residências abandonadas, solicitando auxílios financeiros sem terem sido afetados pela inundação, superfaturando obras de recuperação. Na memória da tragédia que se abateu sobre o estado, está muito presente a onda de solidariedade que abraçou o Rio Grande do Sul com doações de alimentos, de roupas e de tempo de trabalho, e também a ação de servidores da Defesa Civil, bombeiros e voluntários, muitos voluntários, famosos ou anônimos, obstinados em resgatar desabrigados e salvar vidas. Não se pode admitir que no futuro a lembrança da calamidade fique associada à ação criminosa de aproveitadores. Para isso, será preciso um esforço conjunto de todas as instâncias de fiscalização, desde as unidades de controle interno dos municípios, aos órgãos federais. Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado, entre outras iniciativas relacionadas com a tragédia ambiental, definiu duas linhas de ação fiscalizatória, que já estão em andamento. A primeira consiste na fiscalização ostensiva dos repasses de recursos públicos direcionados ao estado e municípios, em função da crise climática, que deverá ultrapassar R$ 50 bilhões até o final de 2025. Essa ação conta com o apoio técnico e operacional do Tribunal de Contas da União, que designou equipes próprias para, em colaboração com os auditores do TCE-RS, acompanharem o projeto Recupera RS. A outra ação é o acompanhamento das obras emergenciais de recuperação das rodovias estaduais, com a fiscalização da correta alocação dos recursos destinados às obras e da regularidade das contratações e a verificação das medições e da qualidade dos serviços prestados. Passado o momento mais crítico da calamidade, é necessário manter a vigilância para que os danos não sejam ampliados pela ação oportunista de
aproveitadores, modernos Thénardiers em busca de ganhos em cima da tragédia.
A nova lei sobre concursos públicos
Foi sancionada recentemente a Lei Federal nº 14.965/2024, a nova Lei dos Concursos, que visa a modernizar e unificar as regras para os concursos públicos de nível federal.
A nova lei é importante pelo atual contexto: em vista da organização dos ‘concurseiros’ (que constituíram até uma entidade nacional) e do poder de conglomerados privados que atuam na “indústria do concurso”, os concursos públicos vêm sendo elaborados com a preocupação principal de evitar controvérsias e reduzir a ocorrência de processos de judicialização. Dentro dessa lógica, predomina a seleção com base em conhecimentos genéricos, objetivos e muitas vezes distantes das efetivas atividades da função a ser preenchida.
Embora seja legítimo resguardar os direitos dos candidatos, ficou em segundo plano o objetivo primordial do concurso que é recrutar e selecionar as pessoas mais preparadas e com maior aptidão para o exercício de uma determinada função pública.
Nesse sentido, a Lei nº 14.965/2024 traz inovações importantes. Por exemplo, são previstas três modalidades de provas: conhecimentos (incluindo provas escritas, objetivas ou dissertativas, e provas orais); habilidades (tais como simulação de tarefas próprias do cargo); e competências (avaliação psicológica). Também é prevista a possibilidade de o candidato realizar o concurso público totalmente ou parcialmente a distância. Dessa forma, o órgão público que está contratando terá segurança jurídica para ampliar as formas de seleção, com maior probabilidade de selecionar candidatos com as habilidades e competências compatíveis com o cargo a ser preenchido.
E o que pode mudar para os candidatos? Espera-se que essas inovações tornem o acesso aos cargos da burocracia estatal menos elitista, na medida em que a avaliação deixe de privilegiar a memorização de conteúdos, que favorece aqueles candidatos com mais tempo e condições econômicas de frequentar cursinhos preparatórios, e passe a considerar também outros atributos como a experiência, habilidades profissionais e competências comportamentais.
A nova lei tem um período de transição, tornando-se obrigatória em 1º de janeiro de 2028, mas sua aplicação pode ser antecipada. E apesar de a lei se aplicar principalmente aos concursos federais, ela é facultativa aos estados e municípios, que poderão elaborar suas leis ou mesmo recepcionar a norma federal.
É certo que a simples existência da lei não vai gerar as mudanças esperadas, mas ela poderá inspirar a melhoria dos concursos públicos e a implantação de uma desejável política de gestão de pessoas na administração pública em todos os níveis de governo.


