

Entre Lineus e Agostinhos
‘A Grande Família’ como espelho do Brasil. O último episódio de 'A Grande Família' foi exibido em 11/9/2014, marcando o fim de 14 temporadas que mesclavam humor e lições sobre nossa sociedade, comportamento e valores. A dualidade entre o malandro Agostinho, sempre em busca de atalhos, e Lineu, o burocrata íntegro e fiscal irrefreável, ilustra a complexa dicotomia social que enfrentamos no Brasil. Não foi à toa a duração do programa que nos retratava de forma pura e verdadeira. No TCE/RS somos fiscais. Auditamos o Estado e as Prefeituras. Lembro de uma situação em que auditei um contrato de doação de um imóvel. A Prefeitura queria incentivar a geração de empregos e aumentar a arrecadação. Para viabilizar a vinda de uma empresa à cidade, ofereceu o terreno para sua instalação. Estabeleceu ainda contrapartidas para a empresa cumprir. Mas, entre a teoria e a prática existe uma peça fundamental, o ser humano, que nesse caso, não era exatamente um Lineu. A Prefeitura simplesmente concedeu o terreno e nada registrou, não criou um processo administrativo de fiscalização e não nomeou servidor para fiscalizar. Ficou tudo "no fio do bigode". Nessas situações, para retornar à legalidade, o Tribunal de Contas dispõe de diferentes ferramentas, como é o caso do Comunicado de Auditoria, documento por meio do qual narramos as possíveis irregularidades para que o Gestor possa tomar providências. Depois disso, acompanhamos. Caso medidas não sejam tomadas, voltamos a intervir de forma mais incisiva com o uso de outros instrumentos, como é o caso da tutela de urgência, que visa impedir o andamento de licitações ou assinatura de contratos. Interessa-me ressaltar, contudo, a necessidade da Administração Pública respeitar a formalidade dos atos. Sabe aquela máxima do candidato que vai administrar a Prefeitura como se fosse uma empresa? A intenção pode ser boa, mas não funciona tão bem. No mundo real, em controles e registros minuciosos - por vezes desprezados sem prejuízo na esfera privada - abre-se a porta para irregularidades de toda ordem. Nesse caso, burocracia não significa ineficiência, mas respeito e zelo pelo público. Lineu elogiaria essa burocracia, tranquilo quanto à legalidade dos atos. Agostinho, bem, ele ficaria um pouco perdido e defenderia o fim dos "controles excessivos".
Resiliência Climática
No último mês de maio, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) informou que mais da metade dos manguezais do mundo estão em risco de colapso. A WWF estima que as populações de espécies selvagens diminuíram cerca de 69% desde 1970. A degradação dos solos globalmente aumenta as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade. Desde o século 19, dois terços do carbono dos solos e biomassa foram perdidos. Nossos biomas
Pampa e Mata Atlântica são os maiores armazenadores de carbono por hectare, superando a Amazônia, mas continuam ameaçados pelo uso insustentável. Florestas, rios e mares também sofrem com os impactos da atividade humana, prejudicando funções vitais para o planeta. Diante desses desafios, o interesse recente pelas Soluções Baseadas na Natureza (SBN) é fundamental. A Comissão Europeia define essas soluções como intervenções inspiradas e
sustentadas pela natureza, que são custo-efetivas, oferecem benefícios ambientais, sociais e econômicos, e ajudam a aumentar a resiliência climática das comunidades. Tais soluções introduzem mais elementos naturais e processos ecológicos em ambientes urbanos, rurais e aquáticos, por meio de intervenções adaptadas à realidade local. A implementação das SNB é diversa e se expressa em diversos exemplos. Infraestruturas verdes urbanas, como parques, jardins comunitários, telhados e paredes verdes, melhoram a qualidade do ar, regulam a temperatura, aumentam a biodiversidade e oferecem espaços de lazer. Projetos de restauração de ecossistemas, como florestas, manguezais, pântanos e recifes de corais, são cruciais para nos proteger de inundações, melhorar a qualidade da água, sequestrar carbono e suportar a biodiversidade. Na agricultura, práticas sustentáveis como agrofloresta, agricultura regenerativa e permacultura imitam processos naturais, promovendo a saúde do solo, a produtividade agrícola e a resiliência climática. Sistemas de gestão de águas pluviais, como jardins de chuva, bacias de retenção e zonas úmidas naturais ou artificiais, são eficazes na prevenção de inundações e na melhoria da qualidade da água. A proteção costeira natural, com dunas de areia, recifes artificiais e vegetação costeira, protege contra erosão e tempestades,mantendo a biodiversidade marinha. A
criação de corredores ecológicos conectando habitats naturais permite o movimento seguro de espécies, aumentando a resiliência dos ecossistemas. Estes exemplos mostram que as SBNs oferecem soluções práticas e eficientes, capazes de contribuir no enfrentamento dos desafios ambientais e urbanos. Cabe aos gestores municipais explorar essas possibilidades, incluindo tais soluções no planejamento urbano de nossas cidades.


